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O terrorismo jihadista na Europa no século XXI

  • Joana Moreno
  • 11 de mar. de 2021
  • 9 min de leitura

Num mundo caracterizado pela interdependência cada vez mais estreita entre os Estados, o terrorismo transnacional surge como uma ameaça à segurança de toda a comunidade internacional, perceção acentuada com o 11 de setembro de 2001, quando o mundo inteiro se apercebeu da magnitude dos danos que o terrorismo poderia causar, até mesmo a um Estado com a dimensão dos EUA (Ghosh, 2014). Uma das suas principais consequências correspondeu à mundialização do medo, o instrumento mais poderoso dos terroristas, face ao sentimento de impotência que o combate a uma ameaça extremamente imprevisível e letal representa. Estes atentados demonstraram, ainda, que o terrorismo de matriz Islâmica havia assinalado a globalização e o mundo ocidental como os seus principais alvos (Lopes, 2017, p. 66).


Desde o início do século XXI que os grupos extremistas de origem muçulmana têm-se expandido cada vez mais no velho continente, sobretudo em países com minorias muçulmanas significativas, como França, Bélgica e o Reino Unido onde, muitas vezes, são marginalizadas, tratadas como cidadãos de segunda-classe e vítimas de discriminação, sendo as camadas jovens particularmente vulneráveis à adesão a ideais radicais (Segatto, 2017, pp. 69-70). Além disso, organizações como a al-Qaeda e o Estado Islâmico têm visto a sua atividade e operações de recrutamento facilitadas pelos avanços nas tecnologias de informação e comunicação promovidos pela globalização.


A evolução do terrorismo jihadista na Europa sempre esteve bastante interligada com os desenvolvimentos políticos no mundo muçulmano, tendo as intervenções ocidentais no Afeganistão e no Iraque e a guerra síria desde 2011 tido um grande impacto em termos de radicalização entre jihadistas europeus (Hegghammer, 2016, p. 161). Importa, então, ter em mente que as causas primordiais dos ataques terroristas no continente europeu não residem na Europa em si, e sim na interferência ocidental (neste caso, europeia) nos conflitos armados no mundo muçulmano, havendo o objetivo de retaliar contra a mesma (Nesser, et al., 2016, p. 5).


Contam-se três grandes fases de atividade terrorista de grupos jihadistas na Europa. A primeira decorreu durante os anos 1990, com epicentro em França, sendo protagonizada pelo Grupo Islâmico Armado argelino; a segunda teve lugar durante a primeira década do século XXI, tendo a al-Qaeda como protagonista e decorrendo da participação de vários Estados europeus na War on Terror de George W. Bush, tendo sido marcada por atentados como os ataques de Madrid, em 2004, e de Londres em julho de 2005, resultando em quase 250 vítimas mortais e mais de 2700 feridos; a terceira, e atual, tem o autoproclamado Estado Islâmico (ISIS) como ator principal, tendo havido uma ressurgência do terrorismo de matriz Islâmica a partir de 2011 fomentada pelo deflagrar da guerra na Síria, que passou a constituir um destino bastante acessível para foreign fighters (recrutas de várias partes do mundo que aderem aos ideais jihadistas) europeus, pela “revolução” das redes sociais ocorrida na década de 2010, que simplificou enormemente as ações de recrutamento ao possibilitar a difusão de propaganda em grande escala, e pelas condições de comunicação mais seguras entre membros de grupos terroristas (Hegghammer, 2016, p. 157). Estas três fases não decorreram de forma isolada, estando profundamente interconectadas, continuando os veteranos das primeiras a ter um papel bastante importante em termos de mobilização, planeamento e recrutamento na atualidade (Nesser, et al., 2016, p. 7).


O período 2014-2017 foi aquele em que se verificaram mais ataques de terrorismo jihadista na Europa desde sempre, o que se terá devido ao envolvimento de Estados europeus em bombardeamentos contra alvos do ISIS no Iraque e na Síria (Parlamento Europeu, 2018); estes ataques vitimaram mais de 350 pessoas (Klausen, 2018). A primeira declaração do ISIS que revelou as suas intenções de efetuar ataques na Europa data de setembro de 2014, dois meses após o estabelecimento do “califado” e uma semana após o anúncio de uma coligação liderada por França contra a organização terrorista, num momento em que já haviam ocorrido três ataques relacionados com este grupo nesse mesmo ano; referia que a organização retaliaria contra qualquer agressão, e exortava os seus apoiantes e seguidores no Ocidente e, sobretudo, na Europa, a juntar-se à causa (Nesser, et al., 2016, p. 5). Esta tendência de ataques crescentemente frequentes prolongou-se durante o ano de 2017, quando os atentados terroristas em solo europeu provocaram a morte a mais de 50 pessoas (Reuters Staff, 2020). Ainda assim, deve ser ressalvado que nenhum dos atentados realizados por extremistas Islâmicos na Europa até hoje se aproximou da dimensão dos atentados do 11 de setembro de 2001.


Importa fazer uma listagem não exaustiva dos principais ataques desta terceira grande fase. Em 2015 ocorreram oito ataques terroristas na Europa, tendo os dois mais mortíferos tido lugar em Paris: em janeiro, a al-Qaeda foi responsável por dezassete vítimas mortais na sequência do ataque ao jornal satírico parisiense Charlie Hebdo e do cerco de Porte de Vincennes e, em novembro, uma célula jihadista com ligações ao ISIS perpetrou o ataque terrorista mais mortífero alguma vez ocorrido na Europa, efetuado por nove terroristas que atacaram quase simultaneamente em três locais diferentes de Paris numa das operações terroristas mais complexas já efetuadas no nosso continente (Hegghammer, 2016, p. 157). Em 2016 ocorreram os aparatosos ataques de Bruxelas, em março, Nice, em julho e Berlim, em dezembro e, em 2017, o Reino Unido foi bastante afetado, sofrendo ataques em março, maio e junho, tendo ainda ocorrido graves atentados na Suécia e em França, em abril, e em Espanha, em agosto (Iulian, 2017). Em 2018, embora o número de ataques tenha sido consideravelmente inferior ao dos anos anteriores ainda ocorreram ataques bastante graves no sul de França, em março (três vítimas mortais) e em Muenster, Alemanha, em abril (três vítimas mortais, incluindo o atacante) (Reuters Staff, 2020). Entre 2019 e 2020 a tendência decrescente manteve-se, sendo importante fazer referência a quatro ataques: Londres, em novembro de 2019 (duas vítimas mortais), Paris, em outubro de 2020 (uma vítima mortal, um professor decapitado por ter mostrado aos seus alunos cartoons do Profeta Maomé numa aula sobre liberdade de expressão) e, no mesmo mês, um ataque com arma branca numa igreja em Nice (três vítimas mortais); por último, em novembro de 2020, um ataque em Viena, na Áustria, causou quatro vítimas mortais e vários feridos (Reuters Staff, 2020).


Enquanto anteriormente os alvos do terrorismo de matriz Islâmica na Europa eram tendencialmente mais específicos, a partir do século XXI e, sobretudo, de 2014 houve uma transição para alvos indiscriminados (com exceções – Charlie Hebdo), procurando vitimar o maior número de pessoas possível (Segatto, 2017, p. 71).


Os recentes acontecimentos provaram que a Bélgica e a França são os países europeus mais suscetíveis a ataques do ISIS na atualidade (sendo, também, os países europeus onde mais pessoas têm sido vitimadas por estes ataques), o que se deve, em grande parte, à interferência francesa em países como a Argélia ou o Mali, de maioria muçulmana, e às ações franco-belgas no que toca à quebra de redes de apoio jihadistas localizadas nos seus territórios desde a década de 1990. De facto, França foi alvo de mais ataques terroristas jihadistas desde 2014 do que qualquer outro país europeu, o que, segundo Micheron (2020) se deverá ao facto de ser o país da Europa com maior população muçulmana, maior população judaica e com um importante legado cristão, para além de ter um sistema profundamente secular (Abdulla, 2020). Para além disso, o perigo para estes países é ainda maior tendo em conta a grande quantidade de foreign fighters franceses e belgas a combater na Síria e no Iraque (Iulian, 2017). De um modo geral, os ataques realizados por foreign fighters europeus retornados à Europa são particularmente mortíferos, procurando grupos como a al-Qaeda e o ISIS treinar estes indivíduos com o propósito de executarem ataques complexos e sofisticados (Hegghammer, 2016, p. 162); esta situação é especialmente preocupante se tivermos em mente que entre 2011 e 2017 mais de 6000 foreign fighters provenientes da Europa partiram para a Síria (Klausen, 2018).


A esmagadora maioria dos ataques jihadistas entre 2014 e o momento presente foram reivindicados pelo ISIS, quer tenham sido efetuados por células ou por indivíduos agindo isoladamente, mas sob as ordens do Estado Islâmico (Nesser, et al., 2016, p. 4). O modus operandi destes terroristas varia, sobretudo, entre esfaqueamentos, atropelamentos e operações em grande escala que fazem lembrar os ataques de Mumbai, em 2008. Vários dos ataques efetuados na Europa durante a última década foram perpetrados por lone wolves, inspirados pela atuação do ISIS e que, na maioria dos casos, estavam envolvidos em círculos extremistas (Nesser, et al., 2016, p. 8). Estes indivíduos utilizam, normalmente, armas brancas ou de fogo e recorrem com frequência ao uso de veículos como arma, tendendo os seus ataques a ser mais destruturados (Parlamento Europeu, 2018). De um modo geral, os terroristas têm optado cada vez mais por realizar ataques de forma isolada, single-actor, na Europa, o que se deverá ao facto de serem mais difíceis de detetar e intercetar por serviços de segurança do que os grupos, sendo que, segundo dados do Parlamento Europeu sobre a União Europeia, em 2019 “a maioria dos ataques desmantelados envolveu vários suspeitos” (Parlamento Europeu, 2020).


Apesar da crescente preferência pelo uso de armas simples, que requerem pouca preparação, como se tem verificado designadamente em França, no Reino Unido e na Alemanha, não pode ser descartada a hipótese de armas de destruição maciça virem a ser utilizadas, sobretudo porque o ISIS já demonstrou ser o grupo que mais se tem servido das novas tecnologias para facilitar a sua atuação (Segatto, 2017, p. 72).

Em estilo de propaganda, o ISIS produziu vários vídeos em celebração dos ataques particularmente mortíferos de Paris e Bruxelas, mantendo sempre a ameaça de novos ataques no futuro, demonstrando que a sede de vingança permanece viva (Nesser, et al., 2016, p. 5); ao mesmo tempo em que contribuem para a generalização do medo, estes ajudam, também, a atrair potenciais novos membros.


Vários autores chamam a atenção para a questão dos refugiados que tem impactado a Europa, tendo pelo menos seis dos ataques ocorridos entre 2014 e 2016 envolvido indivíduos com estatuto de refugiado (Nesser, et al., 2016, p. 7). A ameaça do ISIS na Europa diferencia-se da colocada pela al-Qaeda em vários aspetos, sendo um dos mais importantes a utilização dos fluxos de migrantes para infiltrar e movimentar terroristas; a globalização, ao promover e facilitar a mobilidade internacional de refugiados, também facilita, inadvertidamente, a movimentação de terroristas e foreign fighters, que, frequentemente, tiram partido das ondas de refugiados provenientes do Médio Oriente com destino à Europa e conseguem infiltrar-se nas mesmas, fazendo-se passar por requerentes de asilo (Zimmermann, 2011, p. 154).


Existem vários membros – designados como entrepreneurs – que se juntaram ao ISIS devido a uma profunda crença nos seus ideais e objetivos, e não por falta de alternativas, configurando uma exceção ao argumento de que o acesso à educação e a melhores condições de vida leva a uma menor propensão dos indivíduos para atividades terroristas (Zimmermann, 2011, p. 154). Enquanto coordenadores, são essenciais na construção de células terroristas, conseguindo até formá-las apenas através do recrutamento online de novos membros, por vezes sem qualquer ligação prévia à organização (Nesser, et al., 2016, p. 9); tornam, também, a ameaça muito mais ideológica, organizada e estratégica do que possa parecer, estando o recrutamento de numerosos entrepreneurs de dados países europeus intimamente relacionado com a maior ocorrência de ataques nos mesmos (Zimmermann, 2011, p. 155).


Hegghammer (2016, p. 156) admite que, de facto, haja uma maior base de (possível) recrutamento para redes terroristas devido ao aumento substancial de população muçulmana na Europa, e que a atividade de grupos terroristas de matriz Islâmica na Europa possa aumentar a longo prazo, apontado quatro grandes tendências nesse sentido: o aumento expectável do número de jovens muçulmanos a debater-se com dificuldades financeiras, o crescimento expectável do número de entrepreneurs jihadistas, a persistência de conflitos no mundo muçulmano e a grande liberdade operacional para atores clandestinos na Internet. No entanto, não existe qualquer evidência de que a atividade jihadista na Europa vá crescer com o aumento da população muçulmana e, apesar de ser muito provável que a percentagem de jovens muçulmanos na Europa com dificuldades financeiras aumente bastante até 2030, é mais plausível que o descontentamento socioeconómico se materialize na forma de protestos ou do aumento da criminalidade do que em atividade terrorista.


Além disso, há que ter consciência de que a comunidade muçulmana, na sua grande maioria, não se revê na mensagem e visão radical transmitidas pelos ataques terroristas perpetrados por extremistas Islâmicos, pelo que, quando se analisam estes ataques através de outro ângulo, verifica-se que esses muçulmanos acabam, também, por ser vítimas, uma vez que passam a ser encarados com desconfiança e suspeita e são alvo de cada vez mais discriminação (Silva, 2020).




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