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A pandemia da sociedade – violência contra as mulheres. Caso de estudo: Peru

  • Leonor Ferreira
  • 26 de nov. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 12 de jan. de 2021

Num ano marcado por gestos e formas de convívio particularmente diferentes, uma pandemia antiga espalha-se silenciosamente por todo o mundo, mais poderosa que antes, onde as vítimas têm uma maior dificuldade em pedir ajuda – a violência verbal e física, maioritariamente contra as mulheres. O confinamento, instrumento usado para desacelerar a pandemia covid-19, tiveram um impacto na doença antiga da sociedade, visto que durante esse período os casos de violência doméstica aumentaram 30% em alguns países, sendo que menos de 40% das vítimas procuraram ajuda (Nações Unidas, 2020).


A violência contra as mulheres é um problema mundial; acredita-se que 1 em cada 3 mulheres já sofreu de violência física ou sexual (Organização Mundial da Saúde, 2013). A agressão acompanhou a evolução tecnológica e o campo cibernético, dado que “73% das mulheres online estiveram expostas a alguma forma de violência cibernética” e a probabilidade de sofrerem desta nova violência é 27 vezes superior em relação aos homens (UNDP apud Chloe Messenger).


Os atos de violência contra as mulheres estão definidos pela Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, adotada a 20 de dezembro de 1993 pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 48/104. A Declaração afirma que o termo “violência contra as mulheres” abrange “any act of gender-based violence that results in, or is likely to result in, physical, sexual or psychological harm or suffering to women, including threats of such acts, coercion or arbitrary deprivation of liberty, whether occurring in public or in private life.” (Artigo 1, Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres). A definição, que numa primeira análise pode parecer relativamente pequena, é, na verdade, bastante extensa, visto que engloba diversas formas de violência e de meios.


Ainda que o problema seja mundial, algumas regiões destacam-se negativamente, como é o caso da América do Sul, visto que apresenta a percentagem mais elevada de violência sexual não relacionada com casais e a segunda maior percentagem em violência protagonizada por antigos e atuais companheiros (Organização Mundial de Saúde, 2013). A violência nesta região concentra-se em 6 países (81% dos casos) - Argentina, Bolívia, Brasil, El Salvador, México e Peru (Nice & Borushek, 2020).


Para uma análise detalhada em termos de valores absolutos e percentuais, assim como em políticas estaduais, apenas será analisado um destes 6 países, o Peru. O período de maior foco será o ano 2019, visto que os dados se referem ao ano inteiro sendo, por isso, mais fácil comparar e avaliar a evolução.


155 092 mulheres, em 2019, reportaram casos de violência nos Centros de Emergência para Mulheres, CEM, em comparação com 26 793 casos masculinos, o que significa que o caso reportado de violência contra as mulheres representou 85% dos dados nacionais do ano de estudo. A generalidade das vítimas de género feminino tinha idades compreendidas entre os 18 e os 59 anos (96%). (MIMP, 2019) Outro elemento importante de análise, são os números de femicídio e as tentativas; em 2019, morreram 166 mulheres deste crime e existiram 404 tentativas femicídio. Se compararmos com os dados dos anos anteriores, é possível verificar um aumento substancial, principalmente no que diz respeito ao número tentativas. (MIMP, 2019)

Gráfico 1 - Número de casos de vítimas de femicídio e número de casos de tentativa de femicídio registrados por CEM.

Período: 2009 - (dez) 2019

Fonte: Registro de casos de vítimas de feminicídio e registro de casos de tentativa de feminicídio - AURORA

Elaboração: UGIGC - AURORA


A gravidade dos dados nacionais e regionais fizeram com que o Governo do Peruano apostasse em meios de ação e políticas, que são coordenadas pelo Ministério das Mulheres e Populações Vulneráveis; dos diversos meios de ação, destaco o Centro de Emergência para as Mulheres, as linhas de apoio (chat e contacto telefónico) e o Serviço de Atendimento Urgente, SAU. O CEM é um dos mecanismos para o apoio psicológico, judicial e social às vítimas de violência familiar e sexual. Tem existido uma especial atenção em implementar centros por todo o país, esforço que tem sido bem-sucedido, visto que em 2009 o Peru contava com 89 CEM e, em 2019, passaram a 396. Em relação às linhas de apoio, Linha e Chat 100, os casos são tratados por especialistas e, posteriormente, são enviados e tratados pelos CEM; se os casos necessitarem de uma ação rápida e urgente, então são tratados pelo SAU. Os meios de ação estão a expandir-se e têm contribuído para a deteção de casos, mas não para a redução dos mesmos.


Posto isto, é necessário apostar em planos que intervenham a priori, ou seja, que atuem antes da violência e que impeçam que a mesma suceda. O Peru renovou o seu Plano Nacional Contra Violência de Género para 2016 a 2021, em que um dos objetivos se foca em alterar os padrões socioculturais que permitem e legitimam a violência de género. A mudança de normas sociais e culturais é bastante complexa e morosa de ser alterada, mas é efetivamente a melhor forma de diminuir a violência contra as mulheres. A alteração consiste em transformações na educação, na informação e em movimentos de revolta, que expõem a situação e impõem a conversa sobre o tema. (UNDP, 2019)


Atualmente, a ação dos centros de resposta e da linha 100 são importantes, mas não são 100% eficazes; é necessário que os esforços comecem a ser direcionados na restruturação dos padrões culturais e no empoderamento da mulher. O Plano Nacional, por isso, apresenta-se como uma evolução do pensamento e um exemplo da necessidade de modificação do pensamento cultural.


Como foi referido anteriormente, a crise sanitária, veio “mascarar” casos de violência contra as mulheres, em que as vítimas têm menos oportunidades de expor a sua situação e pedir ajuda; no Peru, em 2020 (de 1 de janeiro a 31 de outubro), 3 968 mulheres foram atendidas pelo SAU (MIMP, 2020), comparativamente a 3 151, registadas durante o mesmo período de tempo em 2019 (MIMP, 2019). O número de pessoas do sexo feminino, mulheres e crianças desaparecidas, também tem vindo a aumentar, “antes do COVID-19, 5 mulheres eram dadas como desaparecidas no Peru, diariamente, mas desde do confinamento, o número aumentou para 8 por dia.” (France-Presse, 2020).


O Governo, de forma a responder ao covid e a violência de género, implementou 10 medidas para agir e combater. As medidas políticas foram no sentido da consciencialização e no reforço dos serviços; da continuação do trabalho das plataformas distintas e do aumento dos abrigos; da continuação do setor de saúde nas respostas da violência contra as mulheres e ainda da continuação da resposta da polícia e da justiça. (UNDP, 2020)


Os valores não são animadores, tanto os deste ano como os do ano anterior, sendo por isso um esforço contínuo por parte das pessoas e dos governos tem que continuar, e só uma conjugação entre bons mecanismos que protejam as vítimas, com medidas de alteração sociocultural, é que será possível lutar eficazmente contra este flagelo da sociedade.



UNDP: United Nations Development Programme

MIMP: Ministerio de la Mujer y Poblaciones Vulnerables






France-Presse, A. (28 de julho de 2020). Peru says over 900 girls, women feared dead since pandemic began. Obtido de France 24: https://www.france24.com/en/20200727-peru-says-over-900-girls-women-feared-dead-since-pandemic-began

MIMP. (26 de julho de 2019). El Peruano. Decreto Supremo que aprueba el “Plan Nacional Contra la Violencia de Género 2016 - 2021”, pp. 594492-594538.

MIMP. (s.d.). Obtido de Ministerio de la Mujer y Poblaciones Vulnerables: https://www.mimp.gob.pe/contigo/

MIMP. (dez de 2019). Informe Estadístico - Violencia en cifras. Boletín: N° 12 - 2019.

MIMP. (2019). REPORTE ESTADÍSTICO DE CASOS ATENDIDOS POR EL SERVICIO DE ATENCIÓN URGENTE (SAU).

MIMP. (2020). REPORTE ESTADÍSTICO DE CASOS ATENDIDOS POR EL SERVICIO DE ATENCIÓN URGENTE (SAU).

ONU. (27 de setembro de 2018). ONU: “nenhuma mulher deve morrer por ser mulher”. Obtido de ONU News: https://news.un.org/pt/story/2018/09/1640152

Nice, B. G., & Borushek, A. (5 de maio de 2020). A Double Pandemic. Obtido de Woodrow Wilson: https://www.wilsoncenter.org/article/double-pandemic

UNDP. (2019). Human Development Report 2019. Beyond income, beyond averages, beyond today: Inequalities in human development in the 21st century. Nova Iorque.

UNDP. (2020). COVID-19 Global Gender Response Tracker.

United Nations. (2020). The Sustainable Development Goals Report . Nova Iorque

WHO. (2013). Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence.

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